Avançar para o conteúdo principal

Pure Comedy




Artista: Father John Misty
Data de lançamento: 7 de abril de 2017



          Pure Comedy. O nome perfeito para um álbum como este; um álbum que se dedica, principalmente, a fazer evocações aparentemente graves, mas sempre de forma irónica. Como se tudo se tratasse apenas de puro entretenimento.
          Admito, que foi provavelmente dos álbuns que mais dificuldade tive em ouvir. E não, não gostei do álbum à primeira vez que o ouvi, e tu (se ainda não ouviste), provavelmente também não vais gostar, principalmente se estiveres habituado ao Father John Misty de I Love You, Honeybear. No entanto, o que acontece com este álbum é precisamente o que Josh Tillman quer que aconteça: que a sua fanbase odeie. Quer desligar, exatamente, os fãs de I Love You, Honeybear e criticar tudo o que é cultura pop. E, isso não podia estar mais presente em “Leaving LA”, quando Tillman, inteligentemente, prevê:
«And I'm merely a minor fascination to
Manic virginal lust and college dudes
I'm beginning to begin to see the end
Of how it all goes down between me and them
Some 10-verse chorus-less diatribe
Plays as they all jump ship, "I used to like this guy,
This new shit really kinda makes me wanna die"»

          Em Pure Comedy, Father John Misty decide arriscar de uma forma completamente radical, mas bastante cautelosa e subtil, que faz lembrar Elthon John, ou mesmo Leonard Cohen. Se, por exemplo, estivermos a ouvir o álbum sem estarmos realmente focados, o que vai acontecer é que se vai tornar aborrecido, chato, repetitivo. Porque a chave deste álbum não é a melodia, mas sim a mensagem que Tillman quer passar através das letras. E o que o torna tão subtil é, precisamente, a forma como a melodia, por ser tão calma, simples, e até, feliz, disfarça a literalidade, e brutalidade, de cada verso, mas, sem nunca perder a ironia genuína de Father John Misty.
          Ao contrário de I Love You, Honeybear - em que a maior parte das letras foram feitas num estado de inconsciência, durante uma bebedeira - Pure Comedy resulta de uma reflexão mais profunda, como o artista admite: A lot of the songs of the first two records were like, four in the morning, drunk in bed with pizza hanging out of my mouth. It was very one to one, I had this experience and this song came to of it. This record — this is the way that I felt my whole life. So in that way I’ve been refining these ideas for a long time.” E, por isso, é que Pure Comedy se torna um campo de batalha preenchido com religião, sociedade, tecnologia, capitalismo, consumismo, cultura pop e neoliberalismo.
          Depois da entrada de “Pure Comedy”, em que Tillman reforça o narcisismo e consumismo da sociedade, passamos para “Total Entertainment Forever” (sim, aquela que começa com “Bedding Taylor Swift”) que funciona quase como um postal do novo mundo e caracteriza na perfeição todas as ideologias da série ‘Black Mirror’ («It's like the images have all become real/ And someone's living my life for me out in the mirror»). Continuando pela sequência, chegamos a “Things It Would Be Helpful To Know Before The Revolution”, um excelente retrato da vida após um Apocalipse climático, acompanhado, a meio caminho, de uma orquestra que se transforma num coro ultrajante, e termina, novamente, apenas com a voz de Father John Misty e um piano que nos transporta até “The Ballad Of The Dying Man”, onde Misty nos apresenta uma personagem narcisista que vê as suas considerações perante a sociedade tão importantes quanto o universo, e que admite que quando morrer vai lamentar a perda da sua mente brilhante («Oh, who will critique them once he's left?»).
         Desta forma, chegamos, finalmente, até “Leaving LA” – a ancora do álbum. No entanto, é aquela que a maior parte das pessoas não chega a ouvir, porque até lá já desistiu do álbum (NÃO FAÇAM ISSO!!). Esta masterpiece de 13 minutos é constituída, inicialmente, apenas pela voz de Father John Misty e uma guitarra, que lentamente se transforma em fragmentos de uma orquestra. Para além disso, estes 13 minutos são ainda preenchidos por 10 versos. Sim. 10 versos. Tendo isto tudo, segundo Father John Misty revela, sido bastante difícil de conseguir. («‘Leaving LA’ I worked on for three years. One whole year was just the first line, which I would just sing over and over and over again and the song just would not grant me access… Then I was like, ‘It should be a fifteen-minute smash hit.’ Once I realized what it was, it came together. But the state of mind I was in when I was writing this stuff was — I mean, I stopped drinking. I stopped smoking, I stopped doing drugs and eating meat. I went real venatic almost.»). “Leaving LA” inicia com uma critica à cultura e ao estilo de vida actual de Los Angeles, porém, acaba por se tornar em algo mais pessoal e honesto, uma introspecção e análise ao próprio Josh Tillman e à sua carreia na música («"Oh great, that's just what we all need/ Another white guy in 2017/ Who takes himself so goddamn seriously."»).
        Pure Comedy não é um álbum de meios termos. Ou se gosta realmente ou não se gosta. Admito que não é um álbum fácil de gostar, é preciso insistir e querer perceber, mas, que quando se percebe se torna, de facto, um álbum apaixonante.


Músicas recomendadas: 
- Leaving LA
- Ballad Of The Dying Man
- The Memo

Nota: 4.8/5

Comentários

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

Guia para ouvir: Björk (parte I)

    Acho que todos podemos concordar que Björk é uma artista única. Mesmo não conhecendo a fundo o seu trabalho, o seu nome está imediatamente relacionado com o estilo irreverente que inspira tantos mas não tem uma inspiração definida. Ela própria disse em entrevista: « I'm influenced by real life. And when people listen to my music and say "Oh, I can see great influence from this artist in there", I read that and I say "Okay, I didn't succeed". But if people listen to my music and say "Oh, this made me feel like this and that [...]", that's right .». Björk destaca-se por inventar e reinventar sempre com o seu cunho a sobressair. É pela sua originalidade que álbuns como Homogenic ou Vespertine são referenciados inúmeras vezes e considerados essenciais para qualquer amante de música; no entanto, é normal sentir um choque ao entrar na discografia de uma artista complexa como Björk, e, é então útil ter um pouco de conhecimento antes de ...

Guia para ouvir: Björk (parte II)

Parte I aqui Medúlla (2004)        Se acharam que a Björk é uma artista irreverente e experimental ainda não ouviram metade, porque em 2004 chega Medúlla , um verdadeiro álbum avant-garde, experimental da cabeça ao pés. Björk foca-se no instrumento mais poderoso, a voz, e daí cria Medúlla , composto quase por completo por vozes e arranjos a cappella, com apenas um sintetizador em Who Is It , piano em Ancestors , e gongo em Pleasure is All Mine . Medúlla é simplesmente um álbum à Björk, e é por isso que não é tão bom para quem ainda está a entrar no universo da artista islandesa; é sim para quem já está familiarizado e sabe que dela pode esperar de tudo. O álbum pode parecer estranho durante as primeiras vezes que se ouve, mas com o tempo vemos que tudo começa a fazer sentido: os bonitos arranjos vocais destacam-se e pequenos pormenores fazem-se notar; entretanto, o poder de músicas Desired Constellation e Mouth's Cradle fazem-se mostrar: a primeira com...